segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

A Lei que Cria o Criminoso

As ciências criminais puseram em evidência a relatividade do conceito de infração, que varia no tempo e no espaço, de tal modo que o que é ‘delituoso’ em um contexto é aceitável em outro. Conforme você tenha nascido num lugar ao invés do outro, ou numa determinada época e não em outra, você é passível – ou não – de ser encarcerado pelo que fez, ou pelo que.
Não há nada na NATUREZA do fato, na sua natureza INTRÍNSECA, que permita reconhecer se se trata ou não de um crime – ou de um delito. O que há em comum entre uma conduta agressiva no interior da família, um ato violento cometido no contexto anônimo das ruas, o arrombamento de uma residência, a fabricação de moeda falsa, o favorecimento pessoal, a receptação, uma tentativa de golpe de Estado etc.? 
Você não descobrirá QUALQUER denominador comum na definição de tais situações, nas motivações dos que nelas estão envolvidos, nas possibilidades de ações visualizáveis no que diz respeito à sua prevenção ou à tentativa de acabar com elas. A única coisa que tais situações têm em comum é uma ligação completamente artificial, ou seja, a competência FORMAL do sistema de justiça criminal para examiná-las. O fato de elas serem definidas como 'crimes' resulta de uma decisão humana modificável; O CONCEITO DE CRIME NÃO É OPERACIONAL. Um belo dia, o poder político para de caçar as bruxas e aí não existem mais bruxas.

Até 1975, na França, o marido podia fazer encarcerar sua mulher por adultério. Depois desse ano, uma lei que reformou o divórcio DESCRIMINALIZOU tal conduta e, daí em diante, a mulher adúltera não pôde mais ser processada perante um juiz criminal.

De um dia para o outro, o que era delito deixa de sê-lo e aquele que era considerado delinqüente se torna um homem honesto, ou, pelo menos, não tem mais que prestar contas à justiça penal. É a lei que diz onde está o crime; ‘É A LEI QUE CRIA O CRIMINOSO’.


LOUK HULSMAM, 1993, páginas 63 e 64, grifos no original.

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