sábado, 19 de maio de 2012

Faceta "oculta - nem tanto" do Judiciário na insistência corporativista e separatista hierarquizante da classe


Mais uma vez de forma clara e deliberada o judiciário apresenta sua oculta, feroz e perigosa faceta proteccionista. Deixando clara sua função separatista onde cada vez mais distancia-se da população e demais classes integrantes de um Estado Democrático de Direito.
 O pedido de Habeas Corpus feito pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil para suspender o inquérito policial que investiga suposto crime contra a honra cometido pela advogada Ana Lúcia Assad contra a juíza Milena Dias durante o julgamento de Lindemberg Alves foi negado pela 2ª Turma do Colégio Recursal Criminal de Santo André, noticiou a Folha de S.Paulo. Longe de minha parte sustentar ou mesmo defender as atuações da advogada, quero apenas mostrar o simbolismo oculto na decisão que engana e tenta com belas palavras legitimar aquilo que é ilegítimo.
 A razão do inquérito é uma discussão entre as duas, em que a advogada disse que a juíza deveria "voltar a estudar". No pedido de HC, a OAB-SP afirma que a advogada não teve intenção deliberada de atentar contra a honra da juíza, mas agiu "no calor da inquirição de testemunha, sob alta tensão" - sendo certo que, para quem conhece o que significa um Triunal do Júri sabe bem do que se está falando. No acórdão que negou Habeas Corpus, os juízes afirmam que "se não comprovadas a ausência de dolo ou a presença de causa excludente da ilicitude, é certo que a determinação para que um funcionário público volte a estudar, independentemente de se tratar de juiz de direito, incitando a ideia de que se trata de pessoa incauta, possui, sim, em tese, potencial delitivo". Na decisão, o relator do caso, juiz Glauco Costa Leite, diz que "se os papeis estivessem invertidos, a conclusão invariavelmente seria a mesma. Embora se admita que no Tribunal do Júri a defesa da causa e os debates conduzam a discussões acaloradas, não se admite que as partes, sejam advogados, juízes, promotores, testemunhas, serventuários, policiais, enfim, quaisquer pessoas, possam dizer absolutamente o que quiser, resguardados de forma apriorística pelo manto da inviolabilidade ou livre exercício da profissão, não se permitindo sequer investigação a esse respeito".
 Pois bem, vejamos, o seguinte. É ofensivo dizer que preciso estudar? É errado alguém me dizer que preciso estudar? Será que domino o conhecimento de tal forma que dispenso qualquer necessidade de estudo adicional? Será que devido o fato de ser advogado e professor não preciso mais estudar? Melhor dizendo, pelo visto o fato de ser juiz não necessita mais estudar, e por isso que me depara TODOS os dias com decisões bizarras que fundamentam-se até mesmo em legislação revogada, dotada de uma falta de técnica impressionante e ainda decisões autoritárias que afrontam todo e qualquer direito adquirido, afinal de conta - é um Juiz que decide - ficamos sem ter a quem recorrer, senão aos próprios juízes. Assim o poder simbólico de forma mansa e cativa toma conta de todas as classes, usando de toda crueldade "branda" e consequentemente hierarquizando todos aqueles que temem, não sabem ou mesmo aceitam toda essa loucura judiciária que se apresenta.

sábado, 5 de maio de 2012

Sêneca, Vinicius e o mundo - Ótimo texto de José Castelo

  Converso com uma querida amiga, Babi Borghese, a respeito da fragmentação que caracteriza e oprime o pensamento em nossos dias. Lembra-me Babi que talvez não pudesse ser de outra maneira, já que vivemos em um mundo "wireless", isto é, sem fios. No entanto, avançando um pouco mais, recordamos dos fios secretos que sustentam essa rede que, na aparência, é pura dispersão. E onde mais estariam esse fios ocultos senão na arte? 

Volta e meia, retorno às "Cartas a Lucílio", de Sêneca. Viajando através delas, encontro a história de Lúcio Pisão, o chefe de polícia da Roma Antiga que, depois de ser nomeado para o cargo, nunca mais deixou de embriagar-se. Não, não farei aqui uma apologia do alcoolismo, mas dos vínculos secretos que sustentam coisas aparentemente dispersas. Pisão passava a maior parte das noites em festins. Escreve Sêneca: "No entanto, cumpriu sempre com a maior diligência o seu dever de manter a cidade em ordem". Entusiasmado, Augusto nomeou-o governador da Trácia. Prossegue o filósofo romano: " A experiência de Tibério com este Pisão dado à bebida foi mesmo tão bem sucedida que, imagino eu, foi essa a causa de ele nomear para governador de Roma a Cosso _ homem severo, de bom caráter, mas de tal modo embebido em vinho que uma vez, quando saiu de um banquete para participar no Senado, se deixou dormir em plena sessão, e teve de ser levado de lá sem dar acordo de si". 

Pisão, Corso: alcoólatras? Se a palavra realmente cabe para pensar aa Roma Antiga, provavelmente sim. Mas, para além do vício, um fio oculto ("wireless") os ligava às coisas do mundo e os transformou em profissionais exemplares. Inevitável, aqui, lembrar de Vinicius de Moraes, o poeta da paixão, para quem o uísque, de tão amoroso, era "o cão engarrafado". A lenda conta que, no período em que foi cônsul em Los Angeles, o poeta teve que representar o governo brasileiro no funeral de um oficial morto na osta americana. Foi o escolhido para fazer o discurso fúnebre. À beira do túmulo, embriagado não só pelas palavras, e não fosse o socorro dos ajudantes de ordem, teria desabado sobre o caixão. Uma versão mais radical da mesma lenda conta que, de fato, despencou. A lenda vale mais que o fato real. 

Vinicius: o gosto pelo álcool _ que corta nossos fios com a realidade _ nunca o impediu de ser um grande poeta. Insisto: não faço aqui propaganda do álcool. Nunca bebi muito, mas recentemente tomei a decisão radical de parar de beber. Portanto, ninguém pode me acusar de fazer o que não faço. Falo da embriaguez porque ela é uma útil imagem para a cisão entre o sujeito e a realidade. Duas ou três taças de vinho, e pronto: os fios que nos ligam à dura realidade (pelo menos nós pensamos assim) estão rompidos. Devem se romper mesmo, eu admito. No entanto, fios invisíveis, pelo menos no caso de homens notáveis como Pisão, Corso e Vinicius, continuam a agir. Continuam a nos sustentar. 

Não sei se eu também me deixei embriagar pelo paralelo, que no fim das contas talvez não seja tão paralelo assim, não passe de uma medíocre miragem. Mas o que tento dizer? Justamente o que minha amiga Babi me ajudou a enxergar: que mesmo em um mundo despedaçado, em um mundo que se fragmenta e se dilui, alguma coisa _ a arte, a literatura _ continua a servir de liga (de fio). Nos momentos de maior dispersão, nos momentos em que você realmente se sentir perdido e despedaçado, pegue um bom romance, ou um bom poema, e leia. E verá que linhas vigorosas _ ainda que imaginárias _ o manterão, apesar de tudo, conectado ao real. Se quiser, beba _ moderadamente, como se aconselha sempre. Mas só a literatura lhe devolverá a coesão.

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