“Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem,
nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado
jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a
hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou é como se
dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo,
a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo
sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram,
e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é
necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que,
estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la”.
Dessa forma é preciso praticar e
cultivar todos aqueles ensinamentos que sempre foram transmitidos, na certeza
de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz. Considerando
a busca da felicidade como uma meta incansável e insaciável bem-aventurado,
como sugere a percepção comum de felicidade, aquele que torna-se ativo nessa
busca incessante em ser feliz, não atribuas a ela nada que seja incompatível
com a sua alegria, nem inadequado com a sua satisfação, nem incompreensível à sua
bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe no
intuito de cultivar em seu interior aquilo que ela (felicidade) pode lhe trazer
de melhor.
Em hipótese alguma devemos nos
esquecer de que o futuro não é e provavelmente não será totalmente nosso, nem
totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse
por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir
jamais, pois assim podemos nos imbuir do sentimento do poderá/deverá vir e
esquecendo-nos de viver aquilo que estamos vivendo. Assim, dentre os desejos,
há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são
necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são
fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros,
ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a
direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde dos sentimentos, visto que
esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as
nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo na busca daquilo que
consideramos e atribuímos felicidade.
Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da
alma se aplaca, e o ser vivo não tendo que ir em busca de algo que lhe falta,
nem procurar outra coisa a não ser o bem, estará satisfeito. De fato, só
sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário,
quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir. Embora o prazer seja
nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há
ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advém efeitos o mais
das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos
preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas
dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria
natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor
é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar
todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos
danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao
contrário, um mal como se fosse um bem.
Consideramos ainda a
autossuficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas
para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente
convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela;
tudo o que é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.
Os livros mais simples
proporcionam o mesmo prazer que as literaturas/iguarias mais requintadas, desde
que se remova a dor provocada pela falta: pão e água ou mesmo uma simples
leitura de um jornal matinal produzem o prazer mais profundo quando ingeridos
por quem deles necessita. A falta que certas coisas, pessoas ou mesmo objetos
proporcionam, nem sempre podem ser consideradas como “ruim” mesmo porque
certamente a reposição ou o reencontro com a coisa ou pessoa faltante traz uma
sensação de satisfação muitas das vezes maior do que aquela que antecedia o
sentimento da própria falta (uma dr se enquadra perfeitamente nesse contexto).
Assim, vejo no estudo uma busca incessante de felicidade, não
que a cada leitura/sentimento (considero a leitura como algo que sinto e não
apenas vejo através dos olhos) esteja concretizada a infelicidade, mas sim na necessidade
de que aquilo que é bom e faz bem, necessário se faz continuar a buscar e se
embreagar daquilo que faz feliz.