domingo, 21 de janeiro de 2018

Transação penal virou suspensão condicional da ação. Os crimes de 1,99 e a Súmula Vinculante 35 do Supremo Tribunal Federal

Por Thiago M. Minagé e Alexandre Morais Da Rosa 
É verdade, os motivos para se indignar podem parecer menos nítidos, ou o mundo pode parecer complexo demais. Quem comanda, quem decide? Nem sempre é fácil distinguir entre todas as correntes que nos governam. Não lidamos mais com uma pequena elite cujas ações entendemos claramente. É um vasto mundo, no qual sentimos bem em que medida é interdependente. Vivemos em uma interconectividade que nunca existiu antes. Mas esse mundo há coisas insuportáveis. Para vê-las é preciso olhar bastante, procurar.
Stéphane Hessel – Indignai-vos
O Supremo Tribunal Federal (STF) funciona como se fosse a autoridade certificadora do direito válido. Resolvendo o problema do fechamento do sistema jurídico lido a partir do positivismo – de Kelsen até Hart – aponta o lugar de quem diz por último o Direito. Pode-se dizer que isso acontece em diversos lugares do mundo, entretanto, podemos saber quais os fundamentos enfrentados e, quer pela distinção do caso ou pela existência de outros argumentos, objetar (Maurício Ramires). No Direito Brasileiro substituímos a racionalidade da decisão pela elaboração de uma súmula que ocupa o lugar da lei. Diretamente: o STF legisla em caráter definitivo. Uns aplaudem. É eficiente.
A fertilidade imaginária e o autoritarismo decorrente da incorporação do poder são capazes de criar situações, completamente carente de qualquer explicação técnica, mesmo por que se alguma técnica existisse no contexto seria mais fácil de entender ou explicar, mas sinceramente, não dá para entender. A atividade legislativa revestida de judicial encontra na SV n. 35 o paroxismo do caos: “A homologação da transação penal não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante o oferecimento da denúncia.”
Surgido na lógica de aparentemente despenalizar – é uma falácia – os Juizados Especais Criminais abrangem os crimes de menor potencial ofensivo, cuja pena não ultrapassa a 2 (dois) anos e, por isso, caso preenchidas as condições do art. 76 da Lei n. 9.099/95, pode-se realizar um “acordo”, sem assunção de culpa, mas com penalização que não pode ser convertida. Só há transação se os requisitos estiverem cumpridos e, lembre-se, trata-se de tipos penais de 1,99, ou seja, que antes dela, na sua imensa maioria, já tinham caído em dessuetude. Foram praticamente “repristinados” pelos Juizados, como bem criticam Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Salo de Carvalho, dentre outros. Sem adentrar ao mérito de sua constitucionalidade (Geraldo Prado e Nereu Giacomolli), fixam-se os limites da transação por sentença. Em caso de descumprimento não havia possibilidade de conversão e, na maioria dos Tribunais, utilizando-se do “jeitinho brasileiro”, condicionava-se a homologação para após o cumprimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha entendendo que a homologação fazia coisa julgada material e formal. Mudou de posicionamento em face das decisões do STF (RHC 29.435/RJ). O STJ indicava que uma vez homologada e descumprida nada poderia ser feito.
Daí que inventaram a insubsistência da decisão homologatória por descumprimento. A inteligente saída, iniciada em São Paulo na década de 90, desconsidera o devido processo legal substancial e promove, no campo penal, a concepção da decisão própria dos procedimentos de jurisdição voluntária ou dita graciosa. Isso porque apresenta-se como função meramente administrativa, sem conteúdo decisório, em que a intervenção do Estado é meramente formal e chanceladora de direitos privados (?), mas aplicada no campo penal. Descumprida a transação voltam as partes ao status quo ante, isto é, o Ministério pode apresentar denúncia e a ação penal ir adiante.
A decisão do STF, portanto, aplicou a lógica da jurisdição voluntária e autorizou o juiz que homologou a transação penal revogar a sua própria decisão (?), sob o argumento de que não fere o devido processo legal, mas esconde a sanha punitivista. A Suprema Corte, aqui, errou, naquilo que Lenio Streck chamou de Fator Júlia Roberts (leia aqui). No fundo, o STF criou a Suspensão Condicional da Ação ao permitir o afastamento da coisa julgada in mala partem. Não existindo coisa julgada e, portanto, sem efeitos a decisão, ainda que se possa discutir o art. 110, parágrafo 1º, do CP, também não há interrupção da prescrição. Ou só é insubsistente para o autor do fato? A prescrição é a externalidade que deve ser verificada em cada situação.
Essa crítica não é preocupada em “arredondar” o discurso do positivismo jurídico e propõe que se faça a pergunta certa no campo penal: há sentença formal no campo penal? A resposta do STF não se coaduna com os primados do devido processo legal substancial e cria a nossa jabuticaba: a suspensão condicional da ação. Precisamos conversar sobre a Súmula Vinculante n. 35 e, quem sabe, convencer o STF a abandonar o narcisismo de quem fala por último, no caso, errado. Afirmamos que a sentença faz coisa julgada material e formal. Vamos continuar dizendo isso. Quem sabe um dia nos ouçam. Não faz sentido procurar punir sem fim os crimes de 1.99.
Infelizmente o STF ainda se coloca na posição de juiz boca da lei agindo como se estivesse mandando e desmandando na vida das pessoas situação essa extremamente criticada pela doutrina (Lenio Streck),no entanto, sem qualquer pudor ou preocupação das consequências de suas decisões, primando exageradamente por um utilitarismo exagerado e destruidor (Nilo Batista).


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Incoerência ou Falta de Conhecimento?

Esta foto [não vou postar] foi feita nesse final de semana, em Natal-RN, na inauguração de um outdoor que demonstra apoio ao deputado Jair Bolsonaro.
Daí o cara aparece usando uma camisa com a imagem de um defensor da idéia que "Bandido bom é bandido morto", logo acima do termo "Thug Life", que em português significa "Vida Bandida".
Até aí, tudo normal, tendo em vista que o bom senso e a coerência não condizem com o discurso de grande parte dos apoiadores do homenageado em questão.
Mas não custa nada esclarecer que o "Thug Life" foi um movimento social fundado pelo rapper Tupac Shakur, em 1992, na Califórnia, que dentre outras 25 coisas, pregava em seus mandamentos, a independência dos moradores dos guetos negros dos EUA em relação às forças policiais, que oprimem seu povo há séculos.
Foi esse movimento que inspirou aqui no Brasil o estilo de "Vida Loka", difundido pelas favelas de todo o país através das letras dos Racionais MC's, a partir de 2002.
A idéia que fundamenta os versos da "Vida Loka" remete ao ladrão perdoado por Jesus no momento de sua crucificação. Já o disco "All Eyez On Me", considerado a obra prima de Tupac, lançado meses antes de seu assassinato e fala sobre o "Thug Life Style", traz a faixa "Only God Can Judge Me" cuja tradução do título "Só Deus pode me julgar" é autoexplicativa.
Já a imagem, não! É impossível relacionar Jair Bolsonaro ao "Thug Life". Mesmo que se trate do uso do termo na forma de um meme. Pois os memes são artifícios que deveriam passar longe de discursos de ódio. A finalidade original do meme é aliviar as tensões cotidianas adultas através de mensagens que nos tornem mais tolerantes. Mais crianças, no sentido mais puro da palavra, nem que seja por um breve momento.
O "T.H.U.G L.I.F.E." idealizado por Tupac também traz uma mensagem inserida em siglas, que, traduzida para o português, diz "O ódio que você passa para as crianças fode todo mundo.



Autoria: texto anônimo (veracidade identificada).

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Sr. Policial: me obrigaram a guardar droga lá em casa com ameaça de morte. E agora?

Por Alexandre Morais da Rosa e Thiago Minagé
Este artigo é sobre o caso do sujeito que denunciou aos policiais que os “traficantes” o obrigaram a guardar droga em sua casa e foi preso em flagrante por tráfico. A vida em zonas de exclusão, como se um dia tivessem sido incluídas, é banhada por possíveis violências desprovidas de intervenção estatal adequada. No caso (hipotético?) que narramos o sujeito se dirigiu até uma viatura policial e informou que possuía família, filhos e que estava sendo obrigado a guardar três quilos de droga em sua residência. Está com receio de ser morto e pergunta como proceder.
Os policiais dirigem-se até a casa do sujeito, por sua indicação, ocasião em que mostra aos policiais onde está a droga. Resultado, preso em flagrante por violação do art. 33 da Lei de Drogas. Inacreditavelmente o flagrante é lavrado, afinal de contas, dizem, “guardar” droga é crime. Remetido ao Juízo, a prisão é mantida e, posteriormente, denunciado. O nosso processo hipotético ainda não terminou. Será que não se percebe o contexto da descoberta da droga, os limites da culpabilidade do acusado? Enfim, não era nem para estar preso. Mas corre o risco de ser condenado pela lógica objetiva que permeia certa parcela do Judiciário.
Privar a liberdade de um sujeito tornou-se a melhor e mais efetiva forma de imposição e consequentemente submissão ao exercício do poder estatal, como verdadeiro controle populacional das pessoas e classes hierarquizadas. Basta observar a forma pela qual os atos prisionais são praticados diariamente pelas agências executoras dos processos de criminalização.
A prisão em flagrante delito é amplamente criticada, devido sua falta de judicialização e até mesmo pela precariedade na regulamentação, pois como se pode observar, o CPP define o que é, mas deixa ao arbítrio dos executores a avaliação de sua pertinência ou não. Eis o momento crucial dessa crítica. Sabemos que a prisão em flagrante delito devido a fragilidade e precariedade sequer pode ser considerada uma medida cautelar, na verdade trata-se de uma verdadeira medida pré-cautelar, por isso a importância da observância da conduta criminosa no momento da prática do ato.
Tal circunstância se justifica pelo fato da prisão em flagrante ser o único método de privação da liberdade que dispensa uma análise prévia de uma autoridade judicial. Não que isso seja a certeza do acerto na decisão, mas, de fato, reduz a possibilidade de erro. Ao menos deveria ser assim.
Por consequência, toda vez que ocorrer uma prisão em flagrante, necessariamente deverá a autoridade judicial ser comunicada imediatamente no prazo de até 24 horas, para analisar a validade do ato e realizar audiência de custódia, consoante Resolução n. 213 do CNJ aqui. Tudo isso existe para evitar maiores violações de direitos de quem é preso indevidamente e banir arbitrariedades por parte da autoridade executora. Mas o problema se agrava quando a manifestação judicial acaba por corroborar as referidas arbitrariedades e se tornar apenas mais um a violar direitos e garantias individuais.
Na nossa situação hipotética estamos falando de um âmbito hostil, de exclusão, denominado “favela”, no qual o sujeito já traz consigo, para muitos agentes de controle, a presunção e o estereótipo “criminoso”. Mesmo quando busca auxílio do Estado para enfim ser visto e amparado, os olhos viciados o transformam em principal ator da cena criminosa, ou seja, preto, pobre favelado e acusado de tráfico. O verdadeiro inimigo criado que ataca toda a sociedade. O Bode Expiatório (René Girard) da vez.
Esse contexto se dá quando, na rua, melhor, na pista (gíria carioca), ao alertar que estão usando seu barraco como depósito de drogas mediante ameaças e agressões, tendo não só sua vida, como dos demais familiares em perigo, vê-se agora, preso, porque simplesmente sua conduta foi considerada criminosa, tendo o enquadramento perfeito da conduta no traficante.
A prisão em flagrante por se tratar de mecanismo pré-cautelar, inegavelmente se refere à medida constritiva da liberdade mais praticada no dia a dia policial. Por isso a necessidade de sua legalidade ser considerada rigorosamente nos limites legais, formal e materialmente. Assim, devido ao próprio caráter da prisão em flagrante somente deverá ocorrer quando o fato delituoso apresentar-se evidente, claro, motivo pelo qual se justifica a contenção. Deveria-se apreender a droga e investigar, mas não confundir as figuras.
Mas diante do narrado, há dolo do agente na denúncia formulada? Na nossa situação hipotética o agente continua preso, invertendo-se a carga probatória, afinal irão querer que o acusado prove que foi coagido, talvez dizendo-se na decisão condenatória: “a versão do acusado restou isolada nos autos, já que deixou de arrolar prova consistente de que teria sido coagido a guardar a droga.
O deslizamento imaginário não encontra limites na lógica Talibã do combate as drogas, diria Thiago Fabres de Carvalho.
Um abraço em quem nos mandou a história e sorte ao acusado preso.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

RE-COMEÇAR TAL COMO RE-SIGNIFICAR O APREENDIDO COM O PASSAR DO TEMPO.

Por que retomar o blog? Talvez pela necessidade do dinamismo na propagação de informações e ideias com um toque de tradicionalismo.

Necessário o uso de todas as ferramentas disponíveis para a interlocução.

Compreender o processo penal sob a égide de um Estado Democrático de Direito, requer, não só, uma releitura crítica de institutos já consolidados em um modelo de sistema específico, como também abandona-los quando deixam de possuir legitimidade. Deve-se compreender que o papel a ser desempenhado pelas partes através do contraditório é fundamental e jamais será possível sem o amparo da oralidade [não confundir com oratória] e publicidade [acesso irrestrito às informações em detrimento dos métodos ocultos] dos atos. Na busca de um controle da observância das garantias processuais, necessário estabelecer o contraditório como verdadeiro garantidor das respectivas garantias processuais [Ferrajoli]. Para tanto, somente haverá respeito às garantias processuais, quando, toda e qualquer produção probatória, for desenvolvida publicamente e de forma oral [excluindo definitivamente a burocracia escrita], mediante rito processual previamente estabelecido na lei. Para tanto, o presente trabalho [série de peqeunos textos sobre o tema] começa por uma análise do sistema inquisitivo e sua permanente interferência em nosso processo penal em vigor, propondo uma superação do sistema atual, que é o acusatório, tendo em vista sua insuficiência na contenção de interferências inquisitivas, propondo uma nova visão de sistema como forma de aperfeiçoamento do então vigente, tendo como premissa a mudança do princípio unificador de forma a valorizar a oralidade e publicidade dos atos.