Por Thiago M. Minagé e Alexandre Morais Da Rosa
É verdade, os motivos para se indignar podem
parecer menos nítidos, ou o mundo pode parecer complexo demais. Quem comanda,
quem decide? Nem sempre é fácil distinguir entre todas as correntes que nos
governam. Não lidamos mais com uma pequena elite cujas ações entendemos
claramente. É um vasto mundo, no qual sentimos bem em que medida é
interdependente. Vivemos em uma interconectividade que nunca existiu antes. Mas
esse mundo há coisas insuportáveis. Para vê-las é preciso olhar bastante,
procurar.
Stéphane Hessel – Indignai-vos
O Supremo Tribunal Federal (STF) funciona como se fosse a autoridade
certificadora do direito válido. Resolvendo o problema do fechamento do sistema
jurídico lido a partir do positivismo – de Kelsen até Hart – aponta o lugar de
quem diz por último o Direito. Pode-se dizer que isso acontece em diversos
lugares do mundo, entretanto, podemos saber quais os fundamentos enfrentados e,
quer pela distinção do caso ou pela existência de outros argumentos, objetar
(Maurício Ramires). No Direito Brasileiro substituímos a racionalidade da
decisão pela elaboração de uma súmula que ocupa o lugar da lei. Diretamente: o
STF legisla em caráter definitivo. Uns aplaudem. É eficiente.
A fertilidade imaginária e o autoritarismo decorrente da incorporação do
poder são capazes de criar situações, completamente carente de qualquer
explicação técnica, mesmo por que se alguma técnica existisse no contexto seria
mais fácil de entender ou explicar, mas sinceramente, não dá para entender. A
atividade legislativa revestida de judicial encontra na SV n. 35 o paroxismo do
caos: “A homologação da transação penal não faz coisa julgada material e,
descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se
ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante o
oferecimento da denúncia.”
Surgido na lógica de aparentemente despenalizar – é uma falácia – os
Juizados Especais Criminais abrangem os crimes de menor potencial ofensivo,
cuja pena não ultrapassa a 2 (dois) anos e, por isso, caso preenchidas as
condições do art. 76 da Lei n. 9.099/95, pode-se realizar um “acordo”,
sem assunção de culpa, mas com penalização que não pode ser convertida. Só há
transação se os requisitos estiverem cumpridos e, lembre-se, trata-se de tipos
penais de 1,99, ou seja, que antes dela, na sua imensa maioria, já tinham caído
em dessuetude. Foram praticamente “repristinados” pelos Juizados,
como bem criticam Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Salo de Carvalho, dentre
outros. Sem adentrar ao mérito de sua constitucionalidade (Geraldo Prado e
Nereu Giacomolli), fixam-se os limites da transação por sentença. Em caso de
descumprimento não havia possibilidade de conversão e, na maioria dos Tribunais,
utilizando-se do “jeitinho brasileiro”, condicionava-se a
homologação para após o cumprimento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha
entendendo que a homologação fazia coisa julgada material e formal. Mudou de
posicionamento em face das decisões do STF (RHC 29.435/RJ). O STJ indicava que
uma vez homologada e descumprida nada poderia ser feito.
Daí que inventaram a insubsistência da decisão homologatória por
descumprimento. A inteligente saída, iniciada em São Paulo na década de 90,
desconsidera o devido processo legal substancial e promove, no campo penal, a
concepção da decisão própria dos procedimentos de jurisdição voluntária ou dita
graciosa. Isso porque apresenta-se como função meramente administrativa, sem
conteúdo decisório, em que a intervenção do Estado é meramente formal e
chanceladora de direitos privados (?), mas aplicada no campo penal. Descumprida
a transação voltam as partes ao status quo ante, isto é, o
Ministério pode apresentar denúncia e a ação penal ir adiante.
A decisão do STF, portanto, aplicou a lógica da jurisdição voluntária e
autorizou o juiz que homologou a transação penal revogar a sua própria decisão
(?), sob o argumento de que não fere o devido processo legal, mas esconde a
sanha punitivista. A Suprema Corte, aqui, errou, naquilo que Lenio Streck
chamou de Fator Júlia Roberts (leia aqui). No fundo, o STF criou a Suspensão
Condicional da Ação ao permitir o afastamento da coisa julgada in mala
partem. Não existindo coisa julgada e, portanto, sem efeitos a decisão,
ainda que se possa discutir o art. 110, parágrafo 1º, do CP, também não há
interrupção da prescrição. Ou só é insubsistente para o autor do fato? A
prescrição é a externalidade que deve ser verificada em cada situação.
Essa crítica não é preocupada em “arredondar” o discurso do positivismo
jurídico e propõe que se faça a pergunta certa no campo penal: há sentença
formal no campo penal? A resposta do STF não se coaduna com os primados do
devido processo legal substancial e cria a nossa jabuticaba: a suspensão
condicional da ação. Precisamos conversar sobre a Súmula Vinculante n. 35 e,
quem sabe, convencer o STF a abandonar o narcisismo de quem fala por último, no
caso, errado. Afirmamos que a sentença faz coisa julgada material e formal.
Vamos continuar dizendo isso. Quem sabe um dia nos ouçam. Não faz sentido
procurar punir sem fim os crimes de 1.99.
Infelizmente o STF ainda se coloca na posição de juiz boca da
lei agindo como se estivesse mandando e desmandando na
vida das pessoas situação essa extremamente criticada pela
doutrina (Lenio Streck),no entanto, sem qualquer pudor ou preocupação das
consequências de suas decisões, primando exageradamente por um utilitarismo
exagerado e destruidor (Nilo Batista).
Nenhum comentário:
Postar um comentário