Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da
Justiça mostram que a lei ainda não resultou em uma diminuição na
população carcerária brasileira (veja gráfico ao lado). Embora o número
de presos provisórios tenha crescido menos (o aumento em 2011 foi de 1%,
contra 2,9% em 2010), o total de presos provisórios chegou a 217 mil no
em dezembro de 2011, último número disponível.
Para defensores
públicos, o motivo é uma falha na aplicação da lei. Eles afirmam que
juízes têm privilegiado a fiança em detrimento de outras medidas. Na
prática, o resultado é uma piora na situação prisional: quem não tem
dinheiro fica preso, mesmo tendo direito à liberdade provisória.
O
G1 listou casos de aplicação da nova lei no último ano. Entre eles, o
de um juiz que aplicou medida de recolhimento noturno ao domicílio a um
morador de rua preso em flagrante por furto (leia: "Sob nova lei, juiz
mandou morador de rua ficar em casa à noite em SP"). O problema, para a
Defensoria Pública, era óbvio: em que domicílio?
Além disso,
especialistas afirmam que alguns juízes não têm especificado os motivos
das preventivas em suas decisões e, em muitos casos, nem sequer têm
usado as medidas, determinando a prisão quando caberia uma medida
cautelar.
Quem fica preso?
Antes da nova lei, o próprio flagrante justificava a prisão. Agora, o juiz precisa fundamentar a decretação de uma prisão preventiva, que deve ser aplicada apenas como última saída.
Antes da nova lei, o próprio flagrante justificava a prisão. Agora, o juiz precisa fundamentar a decretação de uma prisão preventiva, que deve ser aplicada apenas como última saída.
A lei serve para
quem não é reincidente e cometeu um crime com pena prevista de até 4
anos. São nove medidas restritivas de liberdade, entre elas estipular o
pagamento de uma fiança e não permitir que a pessoa saia da cidade (veja
lista abaixo).
A intenção da lei era não mandar para a prisão
alguém que, mesmo condenado, não seria preso (uma pena de 2 anos, por
exemplo, seria substituída por prestação de serviço à comunidade, mas em
muitos casos, o réu ficava preso mais do que isso antes de ser
julgado).
'Jeitinho'
O primeiro solto pela nova lei, no dia 4 de julho do ano passado, foi proibido de frequentar uma casa de prostituição. Segundo defensores públicos e pesquisadores, no entanto, a tendência de juízes desde então foi a de privilegiar outra medida: a fiança.
O primeiro solto pela nova lei, no dia 4 de julho do ano passado, foi proibido de frequentar uma casa de prostituição. Segundo defensores públicos e pesquisadores, no entanto, a tendência de juízes desde então foi a de privilegiar outra medida: a fiança.
“O
problema disso é que se a pessoa furtou o desodorante, e o juiz fixou um
salário mínimo para sair, ela não paga e fica presa”, afirma a
defensora pública Virgínia Sanches Rodrigues Caldas Catelan,
coordenadora no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia
Judiciária), que concentra as prisões em flagrante da capital paulista.
Segundo
dados do Depen, São Paulo não apenas não conseguiu reduzir as prisões
provisórias, como teve aumento de 3,6% em 2011, mais do que o triplo do
percentual nacional.
"Grande parte são pessoas pobres e continuam presos. É um jeitinho de manter a prisão sem decretar a prisão", diz Catelan.
Milena
J. Reis, defensora pública que também atua no Dipo na capital paulista,
diz que no 2º trimestre do ano passado tomou 8 providências
relacionadas à fiança no departamento. No mesmo período de 2012, foram
116, um "aumento considerável", diz.
Segundo ela, porém, os juízes
ainda preferem converter o flagrante em preventiva. "Antes, alguns
casos em que talvez a pessoa sairia sem qualquer restrição, agora ela
consegue essa liberdade provisória mas com uma medida cautelar junto,
uma restrição a sua liberdade", afirma
Morador de rua e ladrão de varal
O G1 encontrou decisões desse tipo tomadas por juízes do Dipo. Em um dos processos, um morador de rua que furtou fios permanece preso por causa de dois salários mínimos de fiança. Um homem furtou duas peças de carne e ficou dez dias em um presídio porque não tinha como pagar R$ 622.
O G1 encontrou decisões desse tipo tomadas por juízes do Dipo. Em um dos processos, um morador de rua que furtou fios permanece preso por causa de dois salários mínimos de fiança. Um homem furtou duas peças de carne e ficou dez dias em um presídio porque não tinha como pagar R$ 622.
Duas jovens, de 20 e 21 anos, que nunca tinham praticado
crime, foram presas furtando 5 peças de roupa e alegaram estar
desempregadas.
Nesse caso, nenhuma medida cautelar foi aplicada, e elas passaram um fim de semana presas em uma delegacia.
Pelo furto de camisetas em um varal, um desempregado continua preso sob fiança de um salário mínimo.
“As
famílias chegam aqui desesperadas. Não têm condições de pagar para
soltar o parente, querem pedir emprestado”, diz Virgínia. “A lei em tese
é ótima, mas na prática piorou a situação.”
As fianças vão de R$
200 a dez salários mínimos, diz Reis. O Tribunal de Justiça de São Paulo
e o governo do estado informaram que não possuem levantamento com o
total de fianças recebidas nos processos.
Para o promotor de
Justiça Christiano Jorge Santos, “tem havido uma dificuldade de aplicar
as medidas". "Antigamente até se concedia a liberdade direto, sem
fiança. Agora o juiz usa a fiança”, diz o assessor do procurador-geral
de Justiça de São Paulo e professor de direito penal da PUC-SP.
Um
dos motivos, segundo Santos, pode ser a dificuldade na fiscalização das
outras medidas. “Vai mandar um oficial de Justiça na favela ver se o
réu se recolheu à noite? Vai deixar a vítima à mercê do bom senso do
agressor? A fiança não é muito eficaz, mas é uma maneira de se acautelar
o juízo. É uma maneira de dizer: pelo menos comprovei
patrimonialmente."
'Bola de cristal'
O juiz corregedor do Dipo, Alex Tadeu Zilenosvski, afirma não saber se os juízes paulistas têm preferido a fiança, mas defende que os magistrados devem aplicar a medida que for mais cabível em cada caso. “Acho que a verdade é que a liberdade provisória, a prisão preventiva ou a fiança é que acabam sendo as medidas mais adequadas à maioria das situações”, afirma.
O juiz corregedor do Dipo, Alex Tadeu Zilenosvski, afirma não saber se os juízes paulistas têm preferido a fiança, mas defende que os magistrados devem aplicar a medida que for mais cabível em cada caso. “Acho que a verdade é que a liberdade provisória, a prisão preventiva ou a fiança é que acabam sendo as medidas mais adequadas à maioria das situações”, afirma.
Segundo o juiz, pode haver uma "falha" na lei
ao prever que o juiz decida, logo de início, sobre a manutenção da
prisão. “O que o juiz tem em mãos quando ele decide isso? Basicamente é o
auto de prisão em flagrante. Na massa dos casos, não tem muita
informação ali", diz.
"O juiz não tem bola de cristal, mas não vai
fixar uma fiança expressiva para uma pessoa que é pobre, indigente,
morador de rua, e nem uma baixa para um milionário", defende.
"O
juiz tem poderes para requerer esses dados. Esse problema poderia
resultar no máximo em alguns dias a mais de prisão", rebate Marivaldo
Pereira.
"Isso não significa que estamos imunes a erros. É lógico
que o juiz erra também, mas esses eventuais erros são perfeitamente
reparáveis, o próprio juiz pode reparar, ou então o Tribunal de Justiça,
no habeas corpus. Cabe à Defensoria e aos advogados esclarecerem”, diz
Zilenosvski.
O Dipo conta hoje com dois defensores públicos. Até
meados de maio, eram quatro, para atender a uma média de 1,5 mil
flagrantes por mês. São todos os casos em que o preso não pode pagar um
advogado particular.
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