Por John Mulholland, de Bogotá
Os detalhes da segurança nos gabinetes presidenciais em Bogotá eram
reforçados, compreensivelmente. A polícia armada e os militares estavam
muito em evidência enquanto o presidente Juan- Manuel Santos, da
Colômbia, recebia os líderes da Bolívia, Equador e Peru para uma cúpula
econômica regional. As forças de segurança diante do Palácio de Nariño,
no centro da cidade, tinham um motivo especial para estar em alerta
máximo. A cúpula ocorreu alguns dias depois que as forças especiais da
Colômbia mataram Alfonso Cano, líder do grupo guerrilheiro Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Foi um grande sucesso para Santos, uma figura cada vez mais influente
na política latino-americana. O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio
Lula da Silva disse recentemente que Santos ruma para assumir o manto de
um líder continental.
O cumprimento de Lula é verdadeiro ao menos em um
sentido, já que Santos emergiu como a principal voz, no palco político
internacional, que pede uma grande reavaliação da guerra às drogas. O
pedido de Santos de um novo debate sobre a regulamentação das drogas é
fortemente simbólico, pois a Colômbia sofreu mais que qualquer outro
país nas mãos dos narcotraficantes.
Santos chama atenção para os danos sofridos pelos países produtores
na América Latina, enquanto continuam a servir à crescente demanda por
drogas nos países consumidores do Ocidente. Sua voz tem se tornado chave
na tentativa de estabelecer os termos de uma nova discussão
internacional sobre a guerra.
A reação de Santos após a morte de Cano, amplamente descrita na mídia
local como o golpe mais significativo contra as Farc, evitou o
triunfalismo. E por bons motivos. Nos meses que levaram ao assassinato
de Cano, mais de 20 soldados foram mortos pelas Farc. Com essas mortes
vieram os primeiros sinais de inquietação pública de que os ganhos em
segurança obtidos nos últimos dez anos começavam a escapar. A importante
revista política Semana disse: “A morte de Cano não poderia ter vindo em melhor momento para o governo”.

Nem a Colômbia de Juan Manuel Santos aposta mais no mero uso da força. Foto: Leon Neal/AFP
As Farc surgiram em meados dos anos 1960 como um
grupo marxista-leninista determinado a derrubar um Estado que elas
consideravam marcado por desigualdades, onde o poder e os altos cargos
eram dominados econômica e politicamente por um grupo de famílias de
elite. A ideologia de esquerda das Farc era dirigida por um grupo de
jovens homens e mulheres educados em universidades e fazia parte de um
movimento mais amplo na América Latina, onde grupos revolucionários
pegavam em armas em busca de justiça social e reagiam à terrível pobreza
e desigualdades chocantes em todo o continente.
No auge de seu poder nos anos 1990, as Farc controlavam um terço do
território colombiano. Hoje isso está muito reduzido e espalhado pelas
partes mais remotas do país. Depois de uma década de ofensiva militar,
muitos colombianos acreditam que o fervor ideológico das Farc
praticamente desapareceu e em seu lugar surgiu um apetite crescente pelo
tráfico de drogas.
A Colômbia, hoje, emerge de seus dias mais sombrios da guerra contra a
guerrilha e os narcóticos. Atrai cada vez mais investimentos
estrangeiros para suas cidades renascidas de Bogotá e Medellín. Onde os
conflitos e o terrorismo eram habituais, hoje há verdadeiros sinais de
um renascimento cívico e econômico. As cidades são regeneradas, o
turismo floresce e os índices de crescimento impressionam.
Mas a história recente da Colômbia ainda apresenta as cicatrizes
profundas de sua batalha contra as drogas. Como diz Santos: “Nós
desmontamos os cartéis da droga. Aqueles grandes cartéis que puseram
nossa democracia de joelhos não existem mais. O único grande cartel
ainda são as Farc, mas nós os enfraquecemos cada vez mais”.
Nesse contexto, como presidente de um país que foi quase quebrado por
uma combinação de cartéis da droga e narcotraficantes-guerrilheiros, os
recentes pronunciamentos de Santos sobre a guerra às drogas são ainda
mais notáveis. No mês passado, ele disse: “O mundo precisa discutir
novas abordagens… basicamente ainda estamos pensando no mesmo esquema
que nos últimos 40 anos”.
Santos foi mais longe que qualquer outro político para abrir o debate. Em uma entrevista ao Observer,
enunciou as ideias radicais que espera que criem uma nova abordagem.
Ele disse: “Uma nova abordagem deve tentar eliminar o lucro violento que
vem do tráfico de drogas… Se isso significa a legalização, e o mundo
pensar que é a solução, eu a aprovarei. Não sou contra”.
Mas ele deixa claro que qualquer iniciativa precisa
fazer parte de um plano de ação internacional coordenado, e descarta
qualquer ação unilateral da Colômbia. “O que eu não farei é me tornar a
vanguarda desse movimento, porque então serei crucificado. Mas
participaria alegremente dessas discussões, porque somos o país que
ainda sofre mais e sofremos mais historicamente com o alto consumo no
Reino Unido, Estados Unidos e Europa, em geral.”
Santos está preparado para ir muito além do que os outros: e abre um
debate sobre a legalização da maconha e talvez da cocaína. “Eu falaria
em legalizar a maconha e mais do que apenas a maconha. Se o mundo pensar
que essa é a abordagem correta, porque, por exemplo, em nosso caso,
costumávamos ser exportadores, mas fomos substituídos pelos produtores
da Califórnia. E houve até um referendo na Califórnia para legalizá-la e
eles perderam, mas poderiam ter ganhado. Eu pergunto a mim mesmo como
você explicaria que a maconha fosse legalizada na Califórnia e o consumo
de cocaína seja punido em Idaho? É uma contradição. Por isso é um
problema difícil estabelecer os limites. É uma decisão difícil. Por
exemplo, eu nunca legalizaria drogas duras como a morfina ou a heroína,
porque na verdade são drogas suicidas. Eu -poderia considerar legalizar a
cocaína se houver um consenso mundial, porque essa droga nos afetou
mais aqui na Colômbia. Não sei o que é mais prejudicial, cocaína ou
maconha. Essa é uma discussão de saúde. Mas, novamente, só se houver um
consenso.”
Santos não é o único. Existe uma crescente
impaciência nos países produtores da América Latina que sofrem
agudamente enquanto seus cartéis das drogas suprem a demanda dos países
consumidores.
Para Santos e a Colômbia, a questão das drogas é muito maior que para
os países consumidores. Na terra de Santos, as drogas são “uma questão
de segurança nacional”, enquanto para outros são “principalmente uma
questão de saúde e criminalidade”. Ele fala de modo eloquente sobre o
preço que seu país pagou – e continua a pagar – para alimentar o apetite
do Ocidente por drogas ilícitas. “Nós passamos por uma experiência
tremenda, dramática e cara para uma sociedade vivenciar. Perdemos nossos
melhores juízes, nossos melhores políticos, os melhores jornalistas, os
melhores policiais nessa luta contra as drogas, e o problema continua
aí.”
É difícil superestimar a importância simbólica de um presidente
colombiano que entra no debate com tal força, diante do papel central
que as drogas tiveram na sangrenta história recente de seu país. Santos
está muito consciente do simbolismo e do papel que ele desempenha. “Sim,
estou consciente do que isso significa. Eu disse ao presidente
Calderón, do México: ‘Você e eu temos muito mais autoridade para falar
sobre isso porque nossos países derramaram muito sangue combatendo os
traficantes de drogas e devemos promover essa discussão’.”
Foto: Paul Rogers
Se a guerra às drogas falhou, o fez de modo mais abjeto na América
Latina. É lá que os corpos são enterrados. Ou nem tanto enterrados, já
que as gangues de drogas mexicanas preferem jogar os corpos de suas
vítimas à margem das estradas nas cidades de fronteira com os Estados
Unidos ou deixá-los pendurados de pontes para servir como advertência
pública a quem atrapalhar seu caminho.
No início de novembro, narcotraficantes decapitaram um blogueiro em
Nuevo Laredo por relatar as atividades dos Zetas, a gangue de
narcotraficantes que praticamente controla a cidade mexicana na
fronteira com os EUA. Um mês antes, eles decapitaram uma mulher de 39
anos que blogava para o mesmo site. Em setembro, eles enforcaram um
casal em um viaduto e deixaram uma nota dizendo que foram mortos por
“sua atividade na mídia social”. São quatro assassinatos de cerca de 42
mil, nos últimos cinco anos. O preço das drogas na América Latina pode
ser avaliado em dólares, mas também custa vidas.
Os efeitos da guerra são intermináveis, mas profundos, pois os vastos
fundos dos narcotraficantes foram usados para corromper os corpos
políticos. O ex-presidente colombiano Ernesto Samper foi acusado
publicamente de ter conquistado o poder à custa do Cartel de Cali. As
drogas representam uma ameaça para a própria existência das instituições
cívicas em muitos países na linha de frente da guerra às drogas.
Mas a América Latina começa a levar a luta para os
países consumidores da Europa e para os EUA. O presidente do México,
Felipe Calderón, entrou no debate em setembro, quando aproveitou um
discurso em Nova York para atacar os países consumidores, que não fariam
o suficiente para reduzir a demanda. Ele visou diretamente os EUA:
“Vivemos no mesmo edifício. E nosso vizinho é o maior consumidor de
drogas do mundo e todos querem lhe vender drogas por nossas portas e
janelas”.
Quanto mais estridentes se tornarem essas vozes latino-americanas,
mais difícil será para os líderes dos países consumidores manter o
silêncio no debate sobre a eficácia da guerra.
Foi para esses líderes ocidentais que a Comissão Global sobre
Políticas de Drogas se dirigiu quando lançou seu relatório notável no
início deste ano. A comissão de 19 pessoas inclui o ex-secretário-geral
da ONU, Kofi Annan, o ex-secretário de Estado americano, George Shultz, o
ex-presidente do Federal Reserve dos EUA, Paul Volcker, e os
ex-presidentes Ernesto Zedillo, do México, Fernando Henrique Cardoso, do
Brasil e César Gaviria, da Colômbia.
A primeira linha do relatório dizia: “A guerra às
drogas falhou”. Depois de detalhar os custos, ineficiências e efeitos
prejudiciais do combate às drogas, ele fazia esta súplica: “Os líderes
políticos e as figuras públicas deveriam ter a coragem de articular
publicamente o que muitos deles reconhecem em particular… que a guerra
às drogas não foi e não poderá ser ganha”.
Cabe a Santos e outros incitar o debate e tentar promover uma
discussão mais ampla. “Espero que haja uma mudança no debate. Estou
aberto para e aprecio essas discussões e esse debate”, ele diz. “Somos o
país que mais sofreu. Espero que o mundo entre em um debate frutífero e
dinâmico sobre essa questão e que encontrem uma nova solução eficaz e
ficarei ainda mais feliz em apoiá-la.”
Mas líderes políticos dos países consumidores ainda não demonstraram
apetite para aderir ao debate. Na verdade, é bem o oposto. “Esse é um
tema político muito delicado e existe muita hipocrisia nele”, diz
Santos. “Muitos líderes em particular dizem uma coisa e em público dizem
‘mas eu não posso fazer isso, porque meus eleitores realmente vão me
crucificar’.”
Uma das contradições mais evidentes está nos Estados Unidos. Enquanto
de um lado um número crescente de estados americanos semilegalizaram a
maconha (é obtida gratuitamente em ambulatórios com uma receita médica
fácil de conseguir), por outro lado o país despeja bilhões de dólares
para ajudar os militares mexicanos a combater os cartéis da droga que
ativamente colocam a maconha nos EUA.
Barack Obama declarou a guerra às drogas um “completo fracasso”. E
continuou: “Precisamos repensar como estamos operando na guerra às
drogas, porque atualmente não estamos fazendo um bom trabalho”. Mas isso
foi em janeiro de 2004.
Santos esboça um novo futuro para a Colômbia e tenta
imaginar um que não envolva seu país ser prejudicado pela guerra contra
os narcóticos ou a guerrilha. Seus ataques militares às Farc acompanham
uma tentativa determinada de eliminar a extrema pobreza do país, o
problema social e econômico que deu origem ao grupo guerrilheiro.
Como a Colômbia reconhece, até 7 milhões de pessoas vivem na extrema
pobreza (moradias em favelas sem eletricidade ou água potável). Santos
diz: “Queremos ser um país com uma vantagem competitiva no mundo. E um
país com uma democracia sólida. Fazer o que for necessário para atacar
os problemas sociais e a extrema pobreza, que são provavelmente os
piores deles”.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
extraído do site: www.cartacapital.com.br em 12/04/2012.