O plebiscito
sugerido pela presidente da República, Dilma Rousseff, ao Congresso Nacional é
juridicamente viável. Mas nem sempre o que parece possível fazer no plano das
ideias se revela factível no plano dos fatos. É o caso do plebiscito sobre
reforma política. Na prática, a proposta da Presidência, se for de fato
encampada pelo Congresso, deve se revelar inexequível. Essa é a opinião dos
especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico.
Consultas
populares em forma de plebiscito e referendo, em regra, devem tratar de temas
sensíveis à população, mas cujas questões possam ser plenamente compreendidas.
Foi assim em relação ao referendo do desarmamento, feito em 23 de outubro de
2005 — na ocasião, com 64% dos votos, a população decidiu não proibir totalmente
o comércio de armas no país. O mesmo ocorreu em 11 de dezembro de 2011, quando
66% da população do Pará rejeitou a divisão do estado em três — seriam criados
os estados de Tapajós e Carajás.
O alerta sobre o
necessário esclarecimento popular veio oficialmente do Tribunal Superior
Eleitoral, na ata em que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e os
presidentes dos 27 tribunais regionais eleitorais do país informaram que a
Justiça Eleitoral precisa de 70 dias para organizar o plebiscito. “A Justiça
Eleitoral não está autorizada constitucional e legalmente a submeter ao
eleitorado consulta sobre cujo tema ele não possa responder ou sobre a qual não
esteja prévia e suficientemente esclarecido”, diz o documento.
Nas palavras do
ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto, as questões
colocadas em um plebiscito necessitam ter “a claridade do sol do nordeste a
pino”. Isso fica um tanto difícil frente aos cinco pontos sugeridos pela
presidente da República para a reforma política. São eles:
1. Financiamento
de campanha — público, privado ou misto
2. Definição do
sistema eleitoral — voto proporcional ou distrital.
3. Existência da
suplência de senadores.
4. Fim ou
manutenção das coligações partidárias.
5. Fim ou
manutenção do voto secreto no Parlamento.
Não há dúvidas
sobre a legitimidade, do ponto de vista jurídico, de se convocar um plebiscito
sobre reforma política. A regra é: o Congresso pode chamar o povo a votar sobre
qualquer matéria de sua competência, inclusive questões que seriam aprovadas
por meio de proposta de emenda à Constituição. A dúvida que se coloca é sobre o
uso do plebiscito para decisões que demandam debates complexos, como o modelo
de sistema eleitoral nacional.
De acordo com o
advogado Marcelo Ribeiro, ex-ministro do TSE, a única limitação jurídica do
plebiscito são cláusulas pétreas, principalmente quando reconhecidas assim pelo
Supremo. Por exemplo, não se pode submeter à população a possibilidade de
colocar fim ao chamado princípio da anualidade, segundo o qual só pode haver
alterações nas regras do processo eleitoral até um ano antes das eleições.
“O plebiscito
pode e deve ser convocado para decidir questões políticas sensíveis. Mas
simples. No caso da reforma política, é inviável na prática por conta das
questões muito complexas, de difícil compreensão e polêmicas”, afirma Marcelo
Ribeiro.
O ministro Ayres
Britto ressalta que plebiscito e referendo são mecanismos constitucionais de
democracia direta. O que, por si só, é bom. Mas há certas limitações. “É
preciso esclarecer a população para que não se diga, depois, que se comprou
gato por lebre. O plebiscito se traduz em respostas mutuamente excludentes: sim
ou não, concordo ou não concordo. Esse tipo de resposta exige perguntas feitas
com muita clareza. É preciso que a pergunta seja compreendida instantaneamente
pela população. Por isso, não é conveniente convocar plebiscitos sobre temas
que demandem uma conceituação muito elaborada”, defende Britto.
A advogada
eleitoral Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro lembra que, historicamente,
plebiscitos foram usados para legitimar atos antidemocráticos: “Napoleão
Bonaparte, por exemplo, usou plebiscitos para se perpetuar do poder e conferir
a si mesmo um poder constituinte. Por isso, não é recomendável fazer consultas
sobre temas complexos. Plebiscito pressupõe sempre liberdade de informação. É
um instrumento válido e democrático, mas que pressupõe a informação ampla da
cidadania para combater manipulações histórias que já foram feitas com o uso
desse mecanismo. São necessárias questões objetivas e de fácil compreensão”
Referendo
popular
Muito mais
honesto e objetivo, no caso da reforma política, seria a utilização do
referendo popular. De novo, o ministro Ayres Britto usa de seus já conhecidos
aforismos para jogar luz sobre a discussão. “O referendo é como um cheque
preenchido quanto ao valor, destinatário, data da emissão, só precisando do
povo para o endosso do cheque. Já o plebiscito é um cheque em branco, porque
seu resultado não vincula o Congresso Nacional. É improvável que isso aconteça,
mas o Congresso não é obrigado, juridicamente, a votar o que o povo já decidiu
em plebiscito”, diz o ministro.
O ministro
Carlos Velloso, também aposentado do STF, reforça que o plebiscito sobre
reforma política é “juridicamente viável, mas inviável na prática”. Para ele,
questões como as da reforma política devem ser postas a estudiosos antes de
serem submetidas à consulta popular. Por isso, também considera que o referendo
seria a melhor forma de participação popular nessas decisões.
De acordo com o
advogado eleitoral Rodrigo Lago, o referendo seria algo mais honesto com o
eleitor porque ele saberá exatamente os termos das propostas sobre as quais
está decidindo. “Ele conhece e escolhe com riqueza de detalhes cada
consequência dessas novas regras”, afirma. Para o advogado, o referendo é uma
alternativa menos gravosa do que a do plebiscito.
O advogado,
contudo, acredita que a consulta popular, por meio de referendo ou plebiscito,
no atual momento, é inviável do ponto de vista político. “Não é recomendável
que se empreenda tanto esforço político e dinheiro para fazer mudanças de forma
açodada, sem a devida maturação do debate, com o risco de termos de conclamar
nova reforma daqui um ou dois anos. É mais prudente o Congresso se concentrar
em temas cuja necessidade de mudança é pacífica e enfrentá-los pelo processo
legislativo comum”, defende Rodrigo Lago.
Na mesma ata em
que o TSE informou o prazo necessário para o plebiscito, a Justiça Eleitoral
ressalta que não pode submeter à população uma consulta da qual a “resposta
apurada não haverá efeitos no pleito eleitoral subsequente”. Isso porque pode
“ser fator de deslegitimação da chamada popular”. Lago reforça que, de fato,
essa deve ser uma preocupação, mas não há nada que impeça que as reformas sejam
aprovadas depois de outubro. Mas elas só seriam aplicadas nas eleições de 2016.
O ex-ministro
Marcelo Ribeiro também reforça esse ponto. “Não faz sentido movimentar toda a
máquina eleitoral para não ter uma resposta em tempo adequado. Não há vedação
jurídica para que a consulta seja feita agora e, respeitando o princípio da
anualidade, surta efeito apenas nas eleições de 2016. Mas é de se perguntar se
a pressa se justifica neste caso, principalmente em relação a temas tão
complexos como o modelo político do país”, sustenta Ribeiro.
Para a advogada
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, o referendo seria a melhor alternativa
frente ao que se coloca. Mas ela também reforça que alguns dos pontos colocados
na reforma atual poderiam ser implementados por meio do processo legislativo
regular. Por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado admitiu a
tramitação, nesta quarta-feira (3/7), da proposta que acaba com o voto secreto
no Congresso Nacional. No caso de se convocar um plebiscito, todas as propostas
que versem sobre as matérias em consulta têm o andamento suspenso.
Crítica comum
entre os especialistas é o fato de a reforma política por meio de consulta
popular ser proposta como uma resposta às manifestações populares que tomaram
conta do país nas últimas semanas. A reforma do sistema político tem de ser
pensada com mais vagar e densidade. E a falta de resposta imediata no caso de a
reforma não ser aprovada antes de outubro pode gerar ainda mais insatisfação. “É
necessário saber se vale a pena bancar os custos de movimentar a Justiça
Eleitoral nacionalmente para esse fim. Isso pode ir justamente de encontro a
uma das pautas dos manifestantes: racionalidade e planejamento para os gastos
de dinheiro público”, resume Maria Cláudia Pinheiro.
O plebiscito
sugerido pela presidente da República, Dilma Rousseff, ao Congresso Nacional é
juridicamente viável. Mas nem sempre o que parece possível fazer no plano das
ideias se revela factível no plano dos fatos. É o caso do plebiscito sobre
reforma política. Na prática, a proposta da Presidência, se for de fato
encampada pelo Congresso, deve se revelar inexequível. Essa é a opinião dos
especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico.
Consultas
populares em forma de plebiscito e referendo, em regra, devem tratar de temas
sensíveis à população, mas cujas questões possam ser plenamente compreendidas.
Foi assim em relação ao referendo do desarmamento, feito em 23 de outubro de
2005 — na ocasião, com 64% dos votos, a população decidiu não proibir totalmente
o comércio de armas no país. O mesmo ocorreu em 11 de dezembro de 2011, quando
66% da população do Pará rejeitou a divisão do estado em três — seriam criados
os estados de Tapajós e Carajás.
O alerta sobre o
necessário esclarecimento popular veio oficialmente do Tribunal Superior
Eleitoral, na ata em que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e os
presidentes dos 27 tribunais regionais eleitorais do país informaram que a
Justiça Eleitoral precisa de 70 dias para organizar o plebiscito. “A Justiça
Eleitoral não está autorizada constitucional e legalmente a submeter ao
eleitorado consulta sobre cujo tema ele não possa responder ou sobre a qual não
esteja prévia e suficientemente esclarecido”, diz o documento.
Nas palavras do
ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto, as questões
colocadas em um plebiscito necessitam ter “a claridade do sol do nordeste a
pino”. Isso fica um tanto difícil frente aos cinco pontos sugeridos pela
presidente da República para a reforma política. São eles:
1. Financiamento
de campanha — público, privado ou misto
2. Definição do
sistema eleitoral — voto proporcional ou distrital.
3. Existência da
suplência de senadores.
4. Fim ou
manutenção das coligações partidárias.
5. Fim ou
manutenção do voto secreto no Parlamento.
Não há dúvidas
sobre a legitimidade, do ponto de vista jurídico, de se convocar um plebiscito
sobre reforma política. A regra é: o Congresso pode chamar o povo a votar sobre
qualquer matéria de sua competência, inclusive questões que seriam aprovadas
por meio de proposta de emenda à Constituição. A dúvida que se coloca é sobre o
uso do plebiscito para decisões que demandam debates complexos, como o modelo
de sistema eleitoral nacional.
De acordo com o
advogado Marcelo Ribeiro, ex-ministro do TSE, a única limitação jurídica do
plebiscito são cláusulas pétreas, principalmente quando reconhecidas assim pelo
Supremo. Por exemplo, não se pode submeter à população a possibilidade de
colocar fim ao chamado princípio da anualidade, segundo o qual só pode haver
alterações nas regras do processo eleitoral até um ano antes das eleições.
“O plebiscito
pode e deve ser convocado para decidir questões políticas sensíveis. Mas
simples. No caso da reforma política, é inviável na prática por conta das
questões muito complexas, de difícil compreensão e polêmicas”, afirma Marcelo
Ribeiro.
O ministro Ayres
Britto ressalta que plebiscito e referendo são mecanismos constitucionais de
democracia direta. O que, por si só, é bom. Mas há certas limitações. “É
preciso esclarecer a população para que não se diga, depois, que se comprou
gato por lebre. O plebiscito se traduz em respostas mutuamente excludentes: sim
ou não, concordo ou não concordo. Esse tipo de resposta exige perguntas feitas
com muita clareza. É preciso que a pergunta seja compreendida instantaneamente
pela população. Por isso, não é conveniente convocar plebiscitos sobre temas
que demandem uma conceituação muito elaborada”, defende Britto.
A advogada
eleitoral Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro lembra que, historicamente,
plebiscitos foram usados para legitimar atos antidemocráticos: “Napoleão
Bonaparte, por exemplo, usou plebiscitos para se perpetuar do poder e conferir
a si mesmo um poder constituinte. Por isso, não é recomendável fazer consultas
sobre temas complexos. Plebiscito pressupõe sempre liberdade de informação. É
um instrumento válido e democrático, mas que pressupõe a informação ampla da
cidadania para combater manipulações histórias que já foram feitas com o uso
desse mecanismo. São necessárias questões objetivas e de fácil compreensão”
Referendo
popular
Muito mais
honesto e objetivo, no caso da reforma política, seria a utilização do
referendo popular. De novo, o ministro Ayres Britto usa de seus já conhecidos
aforismos para jogar luz sobre a discussão. “O referendo é como um cheque
preenchido quanto ao valor, destinatário, data da emissão, só precisando do
povo para o endosso do cheque. Já o plebiscito é um cheque em branco, porque
seu resultado não vincula o Congresso Nacional. É improvável que isso aconteça,
mas o Congresso não é obrigado, juridicamente, a votar o que o povo já decidiu
em plebiscito”, diz o ministro.
O ministro
Carlos Velloso, também aposentado do STF, reforça que o plebiscito sobre
reforma política é “juridicamente viável, mas inviável na prática”. Para ele,
questões como as da reforma política devem ser postas a estudiosos antes de
serem submetidas à consulta popular. Por isso, também considera que o referendo
seria a melhor forma de participação popular nessas decisões.
De acordo com o
advogado eleitoral Rodrigo Lago, o referendo seria algo mais honesto com o
eleitor porque ele saberá exatamente os termos das propostas sobre as quais
está decidindo. “Ele conhece e escolhe com riqueza de detalhes cada
consequência dessas novas regras”, afirma. Para o advogado, o referendo é uma
alternativa menos gravosa do que a do plebiscito.
O advogado,
contudo, acredita que a consulta popular, por meio de referendo ou plebiscito,
no atual momento, é inviável do ponto de vista político. “Não é recomendável
que se empreenda tanto esforço político e dinheiro para fazer mudanças de forma
açodada, sem a devida maturação do debate, com o risco de termos de conclamar
nova reforma daqui um ou dois anos. É mais prudente o Congresso se concentrar
em temas cuja necessidade de mudança é pacífica e enfrentá-los pelo processo
legislativo comum”, defende Rodrigo Lago.
Na mesma ata em
que o TSE informou o prazo necessário para o plebiscito, a Justiça Eleitoral
ressalta que não pode submeter à população uma consulta da qual a “resposta
apurada não haverá efeitos no pleito eleitoral subsequente”. Isso porque pode
“ser fator de deslegitimação da chamada popular”. Lago reforça que, de fato,
essa deve ser uma preocupação, mas não há nada que impeça que as reformas sejam
aprovadas depois de outubro. Mas elas só seriam aplicadas nas eleições de 2016.
O ex-ministro
Marcelo Ribeiro também reforça esse ponto. “Não faz sentido movimentar toda a
máquina eleitoral para não ter uma resposta em tempo adequado. Não há vedação
jurídica para que a consulta seja feita agora e, respeitando o princípio da
anualidade, surta efeito apenas nas eleições de 2016. Mas é de se perguntar se
a pressa se justifica neste caso, principalmente em relação a temas tão
complexos como o modelo político do país”, sustenta Ribeiro.
Para a advogada
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, o referendo seria a melhor alternativa
frente ao que se coloca. Mas ela também reforça que alguns dos pontos colocados
na reforma atual poderiam ser implementados por meio do processo legislativo
regular. Por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado admitiu a
tramitação, nesta quarta-feira (3/7), da proposta que acaba com o voto secreto
no Congresso Nacional. No caso de se convocar um plebiscito, todas as propostas
que versem sobre as matérias em consulta têm o andamento suspenso.
Crítica comum
entre os especialistas é o fato de a reforma política por meio de consulta
popular ser proposta como uma resposta às manifestações populares que tomaram
conta do país nas últimas semanas. A reforma do sistema político tem de ser
pensada com mais vagar e densidade. E a falta de resposta imediata no caso de a
reforma não ser aprovada antes de outubro pode gerar ainda mais insatisfação. “É
necessário saber se vale a pena bancar os custos de movimentar a Justiça
Eleitoral nacionalmente para esse fim. Isso pode ir justamente de encontro a
uma das pautas dos manifestantes: racionalidade e planejamento para os gastos
de dinheiro público”, resume Maria Cláudia Pinheiro.
Por Rodrigo Haidar - conjur 04/07/2013
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