sábado, 21 de abril de 2012

Como falar de Amor?


A relação amorosa continua sendo descrita pelos filósofos, poetas, antropólogos, psicanalistas, enfim por todos os pensadores da alma humana. Porque mistério? Por que a alma (psique) carrega dentro de si aspectos racionais, previsíveis e enigmáticos, inconscientes. A alma tem seu lastro biológico, mas evidencia também seu aspecto proteiforme da inconsciência.
Inspiro-me e faço uma espécie de improviso hoje, baseado na beleza do ensaio de Edgar Morin, “Amor Poesia Sabedoria”, publicado pela Editora Bertrand Brasil, 2011, Rio de Janeiro.O amor é instintual, pulsional. O amor é expressão de vida, é um sentimento contido no Eu, que o perpassa e chega ao Outro, descrito por S. Freud, como amor genital, libido de objeto. Dito em outras palavras, o Amor tem uma base legítima, egocêntrica e também, com o crescimento, uma finalidade social, gregária. O amor nasce narcísico, individualista, voltado totalmente para a sobrevivência do Eu.No início da vida estamos preocupados somente, com a satisfação dos nossos desejos e ainda não reconhecemos o outro ( a mãe ) como pessoa separada, e sim como extensão da nossa pessoa. Escreve E. Morin: ”O amor é algo único, como uma tapeçaria que é tecida com fios extremamente diversos, de origens diferentes. Por trás de um único e evidente “eu te amo”... em uma extremidade há um componente físico e, pela palavra físico, entende-se o componente biológico, que não se reduz ao componente sexual, mas inclui o engajamento do ser corporal. No outro extremo, encontram-se os componentes mitológico e imaginário; incluo-me entre aqueles para quem o mito e o imaginário não representam uma simples superestrutura, e muito menos uma ilusão, mas, sim, uma profunda realidade humana”.Desse modo, a amorosidade assume uma textura biológica, onírica e psíquica. Nós, os humanos, somos seres – psicossomáticos. A criancinha de colo já mostra sua ânsia, sua necessidade física, e seu apelo amoroso, traduzido por uma “voracidade” que suga o seio em busca de alimento físico e apelo amoroso. Continua Morin em seu Ensaio: “ O amor enraíza-se em nossa corporeidade e, nesse sentido, pode-se dizer que o amor precede a palavra. Mas o amor encontra-se, ao mesmo tempo, enraizado em nosso ser mental, em nosso mito, que evidentemente, pressupõe a linguagem, e nesse sentido, pode-se dizer que o amor decorre da linguagem. O amor, simultaneamente, procede da palavra e precede a palavra.”Amamos com o corpo, com os olhos, com os gestos e com todo o nosso aparelho de comunicação pré-verbal. Amamos com a declaração verbal do “eu te amo” assim como, com o canto poético do nosso ser romântico.Acontece que, aquele amor inicial, carnal, misturado, sem admitir separação, necessário no inicio da vida, caso não evolua, vai marcar as “paixões desvairadas, loucas”, irracionais e sem nenhum sentido de separação entre o eu e o outro. Aí o amor toma o rumo da insanidade, da fusão, do grude, do controle sobre o outro e da morte do sentimento amoroso.Assassinatos, suicídios, aprisionamento da outra pessoa, relações sádicas e perversas são, desse modo, a expressão louca, do amor que nomeio como “amor de carcará”: pega, mata e come. A natureza humana definida pelo nosso autor acima, como “homo sapiens” e “homo demens”, de “diabo” transforma-se em pura loucura sem o mínimo de racionalidade, onde o desejo se transforma em posse. È dessa forma de amor, tão frequente na atualidade, que devemos cuidar, para que o “individualismo” da sociedade pós-moderna não destrua totalmente nossa capacidade de amar no sentido social e grupal.É notório assistir hoje, aos ataques vorazes, gulosos das pessoas, dos grupos societários, políticos, empresariais e governamentais em direção, não a uma relação e compromisso amorosos, mas a uma exploração para satisfazer o egoísmo mortífero e os prazeres materiais, usando o “blefe” da preocupação pelo outro. Esse é o próprio “Amor de Carcará”.No ensaio de Edgar Morin, apreendemos sua mensagem: “Se a bipolaridade do amor pode aquartelar o individuo entre o amor sublime e o desejo infame, pode também efetivar-se no diálogo, em comunicação: há momentos muito felizes, momentos em que a plenitude do corpo e da alma se encontram”. Que linguagem longe dos dias atuais, caro leitor! A posse, o ciúme patológico, o uso do outro como “droga” para o prazer, no plano individual; as falcatruas de grupos políticos, o assédio de assaltos ao nosso dinheiro dos impostos, as benfeitorias ilusórias de alguns governos, isso no plano social, criam dificuldades reais aos ideais de Morin e de todos nós. Estamos no caos? Estamos no fim de uma sociedade, dita civilizada? Quais as alternativas para o presente e futuro da humanidade?

Carlos Vieira - www.oglobo.glo.bom 

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