A relação amorosa continua sendo descrita pelos filósofos, poetas,
antropólogos, psicanalistas, enfim por todos os pensadores da alma
humana. Porque mistério? Por que a alma (psique) carrega dentro de si
aspectos racionais, previsíveis e enigmáticos, inconscientes. A alma tem
seu lastro biológico, mas evidencia também seu aspecto proteiforme da
inconsciência.
Inspiro-me e faço uma espécie de improviso hoje,
baseado na beleza do ensaio de Edgar Morin, “Amor Poesia Sabedoria”,
publicado pela Editora Bertrand Brasil, 2011, Rio de Janeiro.O amor é
instintual, pulsional. O amor é expressão de vida, é um sentimento
contido no Eu, que o perpassa e chega ao Outro, descrito por S. Freud,
como amor genital, libido de objeto. Dito em outras palavras, o Amor
tem uma base legítima, egocêntrica e também, com o crescimento, uma
finalidade social, gregária. O amor nasce narcísico, individualista,
voltado totalmente para a sobrevivência do Eu.No início da vida
estamos preocupados somente, com a satisfação dos nossos desejos e ainda
não reconhecemos o outro ( a mãe ) como pessoa separada, e sim como
extensão da nossa pessoa. Escreve E. Morin: ”O amor é algo único, como
uma tapeçaria que é tecida com fios extremamente diversos, de origens
diferentes. Por trás de um único e evidente “eu te amo”... em uma
extremidade há um componente físico e, pela palavra físico, entende-se o
componente biológico, que não se reduz ao componente sexual, mas inclui
o engajamento do ser corporal. No outro extremo, encontram-se os
componentes mitológico e imaginário; incluo-me entre aqueles para quem o
mito e o imaginário não representam uma simples superestrutura, e muito
menos uma ilusão, mas, sim, uma profunda realidade humana”.Desse
modo, a amorosidade assume uma textura biológica, onírica e psíquica.
Nós, os humanos, somos seres – psicossomáticos. A criancinha de colo já
mostra sua ânsia, sua necessidade física, e seu apelo amoroso, traduzido
por uma “voracidade” que suga o seio em busca de alimento físico e
apelo amoroso. Continua Morin em seu Ensaio: “ O amor enraíza-se em
nossa corporeidade e, nesse sentido, pode-se dizer que o amor precede a
palavra. Mas o amor encontra-se, ao mesmo tempo, enraizado em nosso ser
mental, em nosso mito, que evidentemente, pressupõe a linguagem, e nesse
sentido, pode-se dizer que o amor decorre da linguagem. O amor,
simultaneamente, procede da palavra e precede a palavra.”Amamos com o
corpo, com os olhos, com os gestos e com todo o nosso aparelho de
comunicação pré-verbal. Amamos com a declaração verbal do “eu te amo”
assim como, com o canto poético do nosso ser romântico.Acontece que,
aquele amor inicial, carnal, misturado, sem admitir separação,
necessário no inicio da vida, caso não evolua, vai marcar as “paixões
desvairadas, loucas”, irracionais e sem nenhum sentido de separação
entre o eu e o outro. Aí o amor toma o rumo da insanidade, da fusão, do
grude, do controle sobre o outro e da morte do sentimento amoroso.Assassinatos,
suicídios, aprisionamento da outra pessoa, relações sádicas e perversas
são, desse modo, a expressão louca, do amor que nomeio como “amor de
carcará”: pega, mata e come. A natureza humana definida pelo nosso autor
acima, como “homo sapiens” e “homo demens”, de “diabo” transforma-se
em pura loucura sem o mínimo de racionalidade, onde o desejo se
transforma em posse. È dessa forma de amor, tão frequente na atualidade,
que devemos cuidar, para que o “individualismo” da sociedade
pós-moderna não destrua totalmente nossa capacidade de amar no sentido
social e grupal.É notório assistir hoje, aos ataques vorazes,
gulosos das pessoas, dos grupos societários, políticos, empresariais e
governamentais em direção, não a uma relação e compromisso amorosos, mas
a uma exploração para satisfazer o egoísmo mortífero e os prazeres
materiais, usando o “blefe” da preocupação pelo outro. Esse é o próprio
“Amor de Carcará”.No ensaio de Edgar Morin, apreendemos sua
mensagem: “Se a bipolaridade do amor pode aquartelar o individuo entre o
amor sublime e o desejo infame, pode também efetivar-se no diálogo, em
comunicação: há momentos muito felizes, momentos em que a plenitude do
corpo e da alma se encontram”. Que linguagem longe dos dias atuais, caro
leitor! A posse, o ciúme patológico, o uso do outro como “droga” para o
prazer, no plano individual; as falcatruas de grupos políticos, o
assédio de assaltos ao nosso dinheiro dos impostos, as benfeitorias
ilusórias de alguns governos, isso no plano social, criam dificuldades
reais aos ideais de Morin e de todos nós. Estamos no caos? Estamos no
fim de uma sociedade, dita civilizada? Quais as alternativas para o
presente e futuro da humanidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário